Direito Ambiental Constitucional

Embora o art. 225 não esteja explicitamente listado entre as cláusulas pétreas no art. 60, § 4º, da CF/88, muitos juristas argumentam que o direito ao MAEE possui status de cláusula pétrea por estar intrinsecamente ligado aos direitos e garantias individuais, que são protegidos contra emendas tendentes à sua abolição.

Essa interpretação se baseia na compreensão de que os direitos ambientais são fundamentais para a dignidade humana e, portanto, estão abrangidos pela proteção conferida às cláusulas pétreas. Assim, qualquer proposta de emenda que vise abolir ou reduzir a proteção ao meio ambiente poderia ser considerada inconstitucional por violar essa proteção implícita.

Apesar de não estar expressamente designado como cláusula pétrea, o art. 225 é amplamente reconhecido como portador de um direito fundamental que goza de proteção constitucional reforçada, impedindo retrocessos legislativos que comprometam a integridade do MAEE (Senado Federal 2011).

Norma-matriz

CF/88, art. 225

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações:

  • Todos:
    • Refere-se a pessoas naturais, sejam brasileiros ou estrangeiros, e jurídicas. O uso desse termo abrangente estabelece um compromisso global e um pacto intergeracional.
  • direito ao MAEE:
    • O MAEE refere-se à [boa] qualidade do meio ambiente; um meio ambiente de boa qualidade é ecologicamente equilibrado. Com efeito, diz-se que cabe ao poder público o controle da qualidade ambiental, o estabelecimento de critérios e padrões da qualidade ambiental; para garantir a proteção do MAEE;
    • O direito à integridade do meio ambiente é um típico direito de terceira geração.

As gerações do direito estão relacionadas aos três princípios da Revolução Francesa:

  1. Direitos civis e políticos (liberdade)

  2. Direitos sociais e coletivos (igualdade)

  3. Direitos transindividuais (fraternidade)

  • bem de uso comum do povo:
    • O meio ambiente como um todo é considerado um bem público imaterial, que se convencionou classificá-lo como um macrobem. Por sua vez, os microbens são bens materiais; é todo e qualquer elemento constituinte e integrante do meio ambiente (Benjamin 1993);
    • O meio ambiente, enquanto um macrobem, e o próprio direito de fruição a um MAEE são considerados inalienáveis e indisponíveis.
    • Segundo o art. 99 do Código Civil (Lei nº 10.406/02.), os bens de uso comum são inalienáveis, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças. Os bens de uso comum do povo também são considerados indisponíveis, ou seja, não são susceptíveis de apropriação privada mesmo quando seus elementos constitutivos pertençam a particulares. Significa que ninguém pode dispor da qualidade do meio ambiente conforme sua vontade, porque ela não integra a sua disponibilidade (Afonso da Silva 2019);
    • O meio ambiente enquanto macrobem é um bem de interesse difuso, pertencente a toda coletividade. Os interesses ou direitos difusos são transindividuais, indivisíveis, e a titularidade é exercida por pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato, conforme disposto no art. 81 do Código de Defesa do Consumidor (Lei Federal nº 8.708/1990) (Mesquita 2012).

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;
III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

  • essencial à sadia qualidade de vida:
    • A manutenção do MAEE é fundamental para o bem-estar e sadia qualidade de vida. Em outras palavras, a sadia qualidade de vida é a finalidade última da proteção ao MAEE. A análise lógica do texto do art. 225 permite a interpretação de que o MAEE é essencial para a sadia qualidade da vida humana.

Instrumentos para a garantia da efetividade do direito ao MAEE

A proteção do MAEE, essencial para a sadia qualidade de vida, para a garantia do desenvolvimento nacional e para a construção de uma sociedade justa socialmente e solidária, está diretamente relacionada à conservação da biodiversidade e ao combate ao declínio e à extinção das espécies.

O § 1º do art. 225 estatui os instrumentos para a garantia da efetividade do direito ao MAEE (Afonso da Silva 2019).

CF/88, art. 225, § 1º

Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

I Preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
II Preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;
III Definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
IV Exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
V Controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
VI Promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
VII Proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade;
VIII Manter regime fiscal favorecido para os biocombustíveis e para o hidrogênio de baixa emissão de carbono, na forma de lei complementar, a fim de assegurar-lhes tributação inferior à incidente sobre os combustíveis fósseis, capaz de garantir diferencial competitivo em relação a estes, especialmente em relação às contribuições de que tratam o art. 195, I, “b”, IV e V, e o art. 239 e aos impostos a que se referem os arts. 155, II, e 156-A.

Outras determinações do art. 225

CF/88, art. 225, § 2º

Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.

CF/88, art. 225, § 3º

As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

CF/88, art. 225, § 4º

A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.

CF/88, art. 225, § 5º

São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais.

CF/88, art. 225, § 6º

As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas.

CF/88, art. 225, § 6º

Para fins do disposto na parte final do inciso VII do § 1º deste artigo, não se consideram cruéis as práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais, conforme o § 1º do art. 215 desta Constituição Federal, registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro, devendo ser regulamentadas por lei específica que assegure o bem-estar dos animais envolvidos.

Repartição das competências comuns

A repartição das competências comuns prevista no artigo 23 da Constituição Federal de 1988 é considerada uma norma constitucional de eficácia limitada, pois sua plena aplicabilidade dependia da edição de uma lei complementar que regulamentasse a cooperação entre os entes federativos. Essa regulamentação foi estabelecida pela Lei Complementar nº 140/2011, que fixou normas para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, visando ao equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.

A LC 140/2011 detalha as atribuições administrativas de cada ente federativo em matéria ambiental, promovendo um modelo de federalismo cooperativo. Ela estabelece, por exemplo, as competências específicas para o licenciamento ambiental e a fiscalização, buscando evitar sobreposições e conflitos entre os entes federativos.

Aplicabilidade das normas constitucionais

As normas constitucionais possuem diferentes graus de aplicabilidade e eficácia, sendo classificadas em três categorias principais:

  • eficácia plena
    • As normas constitucionais de eficácia plena são as que podem ser aplicadas de imediato, como a instituição da língua portuguesa como idioma oficial (CF/88, art. 13).
  • eficácia contida
    • As normas constitucionais de eficácia contida também têm aplicabilidade imediata, mas seu alcance pode ser restringido pela lei ordinária, como no art. 5º, XIII:

    é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.

  • eficácia limitada
    • As normas constitucionais de eficácia limitada são as que dependem de complementação de outras normas para serem aplicadas, como no parágrafo único do art. 23 da CF/88, que define normas sobre a competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

    Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.

Lei Complementar nº 140/11

LC 140/11

Art. 1º Esta Lei Complementar fixa normas, nos termos dos incisos III, VI e VII do caput e do parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal, para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora.


Questões: