Ordenamento jurídico
Conceituação
O ordenamento jurídico pode ser definido como o conjunto estruturado e hierarquizado de normas (regras e princípios) que regulam a vida em sociedade dentro de um Estado de Direito. Ele é caracterizado pela unidade, coerência e completude, conforme destacado por Bobbio (1995), e visa garantir segurança jurídica, previsibilidade e justiça na aplicação do direito.
A dimensão hierárquica das normas indica que há uma gradação entre elas, com a Constituição ocupando o topo da pirâmide normativa. Abaixo dela, encontram-se as leis complementares, ordinárias, decretos e demais atos normativos. Essa estrutura permite que o sistema jurídico mantenha coerência interna e possibilita o controle de validade das normas inferiores em relação às superiores.
Além disso, o ordenamento jurídico deve ser visto como um sistema em constante evolução, que busca responder aos desafios sociais e políticos por meio da interpretação e aplicação dinâmica de suas normas.
Regime jurídico
Uma definição de regime jurídico tem sido recentemente difundida:
“regime jurídico é o conjunto de direitos, deveres, garantias, vantagens, proibições e penalidades aplicáveis a determinadas relações sociais qualificadas pelo Direito”.
É o conjunto de regras e princípios aplicáveis a uma determinada situação jurídica específica. Ou seja, o regime jurídico delimita o tratamento jurídico dado a determinado sujeito, relação, ou instituto.
- Existem vários tipos, por exemplo:
- Regime jurídico-administrativo (aplicável à Administração Pública)
- Regime jurídico dos servidores públicos
- Regime jurídico de bens públicos
- Regime de bens no casamento (comunhão universal, separação total etc.)
- Regime de proteção das vegetações nativas
- Regime de proteção das espécies ameaçadas
Ordenamento Jurídico vs. Regime Jurídico:
Termo | Definição |
---|---|
Ordenamento Jurídico | Conjunto de normas que compõem o sistema jurídico de um país. |
Regime Jurídico | Conjunto de normas e princípios aplicáveis a uma situação ou relação específica. |
Princípios e normas
De modo geral, o ordenamento jurídico é regido por um sistema de princípios e normas.
Princípios:
Por princípio, entende-se:“o mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para exata compreensão e inteligência delas, exatamente porque define a lógica e a racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhe a tônica que lhe dá sentido harmônico. Eis porque violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos” — (Bandeira de Melo 2015).
Normas:
Normas jurídicas integram o ordenamento jurídico e têm finalidade regulatória do mesmo. O conceito de “norma” em seu sentido amplo (sensu lato) refere-se àquilo que é interpretado pelos juristas e operadores do Direito a partir do que é estabelecido na Constituição, diplomas legais e atos normativos. A interpretação desses instrumentos normativos constitui o ramo da Hermenêutica Jurídica, que cuida do estudo e desenvolvimento de métodos e princípios da atividade de interpretação das normas.Que não se confunda “norma” com “instrumento normativo”, que é um documento que estabelece elementos como os conceitos, princípios, objetivos, diretrizes, procedimentos, instrumentos, indicadores, modos de agir, transgressões, sanções, de forma a orientar a atuação da organização (tal como a do Estado de Direito) e a tomada de decisões.
A norma é o conteúdo normativo, ou seja, o mandamento, o comando. É uma regra de conduta extraída da interpretação de um texto jurídico.
Instrumentos jurídicos e atos normativos
Instrumentos normativos é um termo não circunscrito no ordenamento jurídico, mas pode ser usado de maneira intercambiável com intrumentos jurídicos. Estes podem ser entendidos, de forma genérica, como os documentos que constituem o ordenamento jurídico. São os meios através dos quais um sistema jurídico adquire sua formalidade e materialidade. Em um contexto formal, para se referir de forma genérica, opte pelo termo “intrumentos jurídicos”.
Exemplos de instrumentos jurídicos são: a própria Constituição, as emendas constitucionais, leis complementares, ordinárias, delegadas, medidas provisórias, decretos, resoluções, deliberações, portarias e instruções normativas (CF/88, art. 59).
Atos normativos são espécies de atos administrativos. Estes, por sua vez, são definidos como:
“manifestações unilaterais da Administração Pública que tenham como fim adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos ou impor obrigações aos administrados ou a si própria” (Meirelles 2020).
Os atos normativos distinguem-se por conterem comandos gerais e abstratos, voltados à regulamentação e fiel e correta execução das leis. São típicos do Poder Executivo, embora também possam ser expedidos pelos Poderes Legislativo e Judiciário no âmbito de suas competências organizacionais. Exemplos de atos normativos são: decretos regulamentares, regimentos, resoluções, deliberações, portarias, instruções normativas, medidas provisórias, provimentos.
Regulação e regulamentação
Em sentido amplo, regulação pode ser compreendida como a atuação do Poder Público na disciplina de determinadas matérias, o que inclui a edição de leis pelo Poder Legislativo. É nesse sentido que o termo aparece, por exemplo, no inciso II do art. 3º da Lei Complementar nº 95/98:
Lei Complementar nº 95/98
Dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal, e estabelece normas para a consolidação dos atos normativos que menciona. CAPÍTULO II – Das Técnicas de Elaboração, Redação e Alteração das Leis
Seção I – Da Estruturação das Leis
Art. 3º A lei será estruturada em três partes básicas:
[…]
II - parte normativa, compreendendo o texto das normas de conteúdo substantivo relacionadas com a matéria regulada;
Assim, quando se fala em regulação dos meios de comunicação, regulação do trabalho via plataformas digitais ou “regulação das drogas”, pode-se estar se referindo à necessidade de alteração, criação ou atualização de normas legais que disciplinem essas matérias.
No entanto, em sentido mais técnico — especialmente no campo do Direito Administrativo —, regulação também se refere à atividade do Poder Executivo, exercida por órgãos e agências reguladoras, que estabelecem normas infralegais, fiscalizam e controlam setores específicos.Exemplos:
Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL)Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)
Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC)
Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP)
Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)
Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT)
Agência Nacional de Águas (ANA)
Agência Brasileira de Inteligência (ABIN)
Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL)
Comissão de Valores Mobiliários (CVM)
Regulamentação, por sua vez, é uma atividade do Poder Regulamentar, atribuída ao Poder Executivo, com o objetivo de detalhar a forma de aplicação e execução das leis. O decreto regulamentar (ou de execução) é um exemplo clássico desse tipo de ato normativo, sendo considerado um instrumento de regulamentação de primeiro grau. Nessa senda, a CF/88 preceitua:
Constituição Federal de 1988
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução;
Ao contrário da regulação (sensu lato), por meio de normas com força de lei, os atos normativos que a regulamentam têm como função apenas detalhar sua aplicação, sem criar, por si mesmos, novos direitos ou obrigações. Nessa direção, conforme a CF/88:
Constituição Federal de 1988
Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
V - sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa;
Em outras palavras, as disposições normativas de de atos normativos que inovam no ordenamento jurídico, ou seja, que extrapolam os limites legais previamente estabelecidos, são inválidas e, por conseguinte, não produzem, ou devem produzir, efeitos jurídicos.
Controle de Constitucionalidade
O Poder Judiciário tem um papel fundamental no controle dos atos normativos e regulamentares, especialmente no que diz respeito à constitucionalidade e legalidade desses atos.
O Poder Judiciário pode atuar por meio do controle de constitucionalidade. Isso pode ocorrer de duas formas:
Controle Difuso de Constitucionalidade (CF/88, Art. 97): Quando qualquer juiz, no exercício de sua função, declara a inconstitucionalidade de uma norma (incluindo atos normativos do Executivo) em um caso concreto, incidentalmente. Isso é feito, por exemplo, em ações judiciais em que se questiona a validade de um ato normativo específico (EnciclopediaJuridica-PUCSP).
Controle Concentrado de Constitucionalidade (CF/88, Art. 102): Realizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por meio de:
- Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI/vulgo: ADIN);
- Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC); e
- Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF)
Algum controle de constitucionalidade também cabe ao Congresso Nacional que tem a competência exclusiva de sustar atos normativos do Poder Executivo que excedam os limites legais (CF/88, Art. 49, V).
O Ministério Público (MP) também desempenha papel importante na proteção dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, especialmente nas áreas ambiental, urbanística, do consumidor, do patrimônio público, cultural e da ordem jurídica como um todo. Essa atribuição decorre diretamente da CF/88, que conferiu ao MP a missão de defender a ordem jurídica e os interesses sociais indisponíveis (CF/88, Art. 127).
Nesse contexto, a Ação Civil Pública (ACP) é um dos principais instrumentos processuais à disposição do Ministério Público para o exercício desse dever. Prevista na Lei Federal nº 7.347/1985, a ACP permite ao MP propor ações judiciais voltadas à responsabilização por danos causados aos interesses difusos e coletivos, como o meio ambiente, inclusive com pedidos de tutela preventiva, reparatória ou inibitória.
Dessa forma, a atuação do MP por meio da ACP não apenas protege direitos coletivos, mas também fortalece o controle de constitucionalidade de forma prática e cotidiana, garantindo que os direitos fundamentais previstos na Constituição sejam plenamente respeitados.
Questões: